As Gerações

terça-feira, março 08, 2011

«João Miguel, já disse para estares quieto! Olha que eu vou chamar o teu pai e depois levas uma surra valente! Pensas que eu sou uma das tuas colegas de escola, é? Mau, mau.»

Cada geração, cada sociedade, cada pessoa tem o seu modo de educar as crianças. Mas, se quisermos ser rigorosos, no fundo, há apenas duas opções: a severidade ou a condescendência barata, por outras palavras, levá-las à pancada ou deixá-las fazer o que querem. Agudizados como andam os conflitos de gerações, não costumam ser brilhantes os resultados, em qualquer das hipóteses. Atualmente, a tendência é de um modo geral favorável à segunda opção: não violentar a personalidade das crianças, nem reprimir os seus desejos e iniciativas. Contudo, a receita não é fácil de pôr em prática. Se as deixarmos jogar basquetebol no quarto, podemos dizer adeus aos candeeiros, aos retratos do bisavô e ao sossego. Se consentirmos que puxem os cabelos à empregada doméstica ou lhe espetem o garfo dos fritos no traseiro, cedo deixaremos de ter quem nos trate da cozinha e das limpezas. Se as não impedirmos de cortar o rabo aos gatos dos vizinhos e de urinar da marquise abaixo, temos todo o prédio contra nós e não tarda um abaixo-assinado ao senhorio a exigir o nosso sumário despejo. Então... desfazêmo-las à pancada? Submetêmo-las à pior das torturas? Pômo-las a pão e água? Impossível. Estaríamos a criar monstros, marginais, delinquentes, drogados, assaltantes de bancos e guerrilheiros urbanos. Que fazer, então? Chamar-lhes à atenção para as regras de convivência social ou atirar-lhes à cara com o nosso bom exemplo - não é boa ideia. Isto porque se estão nas tintas ou nem sequer nos ouvem. E muito cuidado precisamos de ter para que não descubram as nossas misérias, fraquezas e telhados de vidro, o que nos deixaria à mercê da sua impiedosa chantagem. Porque se os putos descobrem que o pai perdeu no póquer metade do ordenado ou que a mãe se deita com o patrão, está tudo perdido - daí em diante viver-se-á em regime de terra queimada. No nosso tempo de crianças, uma asneira por semana - do género, soltar o canário da gaiola ou pegar fogo à cama da avó - já nos desanuviava o espírito e funcionava como escape para as chatices do dia-a-dia. E a sova, que em retribuição, apanhávamos dos pais, deixava de pé, e bem clara, a hierarquia familiar. O equilíbrio ia sendo possível e lá passávamos de crianças a adolescentes e de adolescentes a adultos quase sem dar por isso. Hoje não! Hoje pais e filhos vivem de costas uns para os outros, numa guerra permanente. E os interesses de uns e outros apresentam-se tão opostos e inconciliáveis entre si, como os do devedor e credor, do explorador e do explorado... 
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Cuidado com os teleféricos

5 comentários:

Olga Mendes disse...

O Almograve realmente é lindo, obrigada pelo comentário. Educar é difícil, nunca pensei ser tão difícil, penso que uma parte dos pais fazem o que podem e sabem a outra deixa na mão do destino e é aí que as coisas se complicam. Bj

CC disse...

A culpa quase sempre é dos pais claro. Assim que as crianças fazem birra os pais dão só para que os filhos não incomodem mais!
Eu tenho 22 anos e cuido da minha irmã desde os 10 anos de idade e a verdade é que perdi muita coisa! Como eu era bastante bem educada, não fazia birras e era responsável os meus pais deixavam-na comigo e iam para as suas vidas (trabalhar) tendo isto em conta perdi basicamente metade da minha infância e muito da minha adolescência! Hoje em dia ainda tenho de cancelar saídas por ter de ficar com ela e coisas do género. No entanto posso dizer que a conheço muito melhor que os meus pais, que eles servem basicamente para lhe dar o que ela pede. Toda a educação que lhe dou é estragada assim que ela pede aos meus pais. Eu digo um não, eles dizem um sim. E é assim que os pais lidam com os filhos. A conclusão é que ela tem mais respeito por mim do que por eles. Sabe também que a mim não engana e que é facilmente apanhada. Mas também sabe que com os meus pais é ao contrário!
Não se trata de ocultar factos (do género o pai ter perdido o dinheiro todo a jogar) mas sim de dar exemplo, ser exemplar. Sim o pai perdeu o dinheiro todo no jogo, mas isso mostra o estado em que deixou a família e como os rebaixou, será que um filho ao ver isso vai querer fazer a mesma figura? Faz-me lembrar a mãe de uma amiga minha, estava sempre a dizer que fazia tudo o que a rapariga queria pois tinha medo que ela fugisse de casa! Não seria melhor mostrar-lhe o que ela iria perder caso fugisse de casa do que propriamente o que ela podia ganhar só para não fugir de casa? Enfim, mentalidades...
=)*

C. disse...

Adorei o teu texto :) LOL

Ah! E tem uma excelente semana :D

Beijinhos *

Kika disse...

Modernices... (Não és tu quem gosta?)

Herético disse...

Perdeu-se o sentido de paternidade.

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